quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Sefiróticas



Antigamente eu lia nos livros de ocultismo do meu tio Jaime sobre o esoterismo judaico. Cabala, era o nome. Nome bonito, atraente, gostoso de falar, principalmente se falado corretamente, algo como “kabalárrr”. As dezenas de Árvores da Vida ilustradas num dos livros eram fascinantes. Eu não entendia patavinas do que aquilo tudo queria simbolizar, mas as Árvores da Vida, com suas sefiroths esféricas de múltiplas cores recheadas com símbolos que eu preferia continuar sem saber o que queriam dizer, não por medo, que eu nunca tive medo do sobrenatural, mas para que o seu mistério permanecesse intacto. Engano meu. Meu tio me explicou algumas coisas sobre aquilo, e o mistério só aumentou, ficou do tamanho do próprio universo, e aquilo tudo ficou ainda mais fascinante. As coisas do sobrenatural são assim. Assim é a metafísica. As palavras a ela dedicadas só acrescentam brumas ao assunto tratado, de forma que o orador metafísico como que traga dúvidas pedregosas e sopra vapores luxuriantes. Não tenho mais nenhum daqueles livros, o que é uma pena, nem tenho fotografias do meu tio. Não sei se ele aprovaria o que estou fazendo agora. Ele, um ocultista, para quem o conceito de Luz Astral de Eliphas Levi era dogma indevassável. Tio Jaime não era muito amigo dos chips e circuitos. Mas aqui estou eu, prestes a ser a cobaia número um de minha própria invenção. Descobri brechas no tempo, tio Jaime, bocarras enormes abertas no espaço durante curtos períodos. Eu os mapeei, e engendrei um jeito de me esgueirar por elas, e retornar em segurança. Estou no quintal da minha casa na praia do Flamengo, queria estar com você aqui Tio Jaime, você daria um jeito de mesclar minhas teorias com as suas, desracionalizá-las, num processo inverso ao aplicado pelo cientista, embora a dúvida seja elemento de intercessão. Está tudo pronto. Estou com um grupo de amigos, e eles vêm vindo em minha direção, estamos de partida. Não sei por que apliquei tanto tempo e dinheiro nisso, Tio Jaime, talvez tenha sido tocado por Prometeu/Lúcifer, doadores da Luz, ou tua Sofia Gnóstica, aquela que salvou o gênero humano das garras do Demiurgo Cego e seus sinistros sequazes possuindo a serpente. Há um Uroboros circundando a plataforma circular. Fiz uma homenagem a você, tio Jaime. De início quis nomear a invenção com algo que se relacionasse contigo, mas achei pouco, e só hoje me dei conta de que não descobri só essa traquitana tecnológica que em nada se parece com meu tio Mago. Só hoje me dei conta de que também as brechas são descoberta minha. Elas sim, tio, são a sua cara. Misteriosas, vertiginosas..., em sua homenagem, tio Jaime, batizei essas brechas espaço-temporais de Portas Sefiróticas.

2 comentários:

  1. Amigos. É um prazer contribuir com o Grupo Espírito Livre. Este mini-conto faz parte de uma série de contos que escrevi ambientados num mundo que tem influências sobretudo de Cyberpunk e do "horror cósmico-científico" de Lovecraft.

    Abraços Literários e RPGísticos!

    ResponderExcluir
  2. Bem vindo parceiro, fiquei sabendo hoje sobre sua estadia em nossos aposentos; é um prazer e honra trabalhar ao lado de um amante da literatura fantástica. O texto tem um estilo próprio para o clima desejado, creio que há grande potencial, parabéns e vamos lá, mãos à obra!

    ResponderExcluir